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DILEMAS DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Mayla Porto 

Questões relacionadas com a autonomia universitária, a privatização e descentralização do ensino, a expansão administrativa com aumento da qualidade e controle dos custos, os baixos salários do corpo docente e as novas pressões trazidas pelo mundo on-line, estão na ordem do dia. Mas um item em particular, tem sido motivo de grande preocupação para os sistemas educacionais: a competitividade. Nesse cenário, pairam dúvidas de como deve ser entendida a produção e a gestão do conhecimento. Formas convencionais de ensino têm entrado em colapso. Novas modalidades de aprendizagem, como as universidades cooperativas, os MBAs e uma variedade de modelos de educação à distância entraram em cena, sobretudo, para ampliar as oportunidades de trabalho.

Novos paradigmas pontuam os avanços nessa área. Modelos deficitários também estão sendo analisados. Um grande debate sobre o ensino superior e o papel da universidade pública foi desencadeado pela Conferência Mundial de Educação Superior da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), realizada em Paris, em outubro de 1998. Desde então, inúmeros fóruns têm procurado identificar os principais problemas que as instituições educacionais do mundo em desenvolvimento enfrentam hoje em dia, tendo em vista as mudanças conjunturais produzidas nas últimas décadas.

As Conferências Ibero-Americanas de Reitores de Universidades Públicas, iniciadas em 1999, em Santiago do Chile, têm dado significativa contribuição para esse debate na América Latina. No Acordo de Santiago, documento final do primeiro Encontro, os reitores resgataram a definição de universidade pública: o público é o que pertence a todo o povo; universidade pública é a que pertence à cidadania e está a serviço do bem comum.

Quatro características definem a universidade pública, segundo o documento: sua vinculação: faz parte do Estado ou é pública e autônoma por lei; seu financiamento: é de responsabilidade do Estado; sua missão: é o seu compromisso social. Esse compromisso é em realidade um compromisso do Estado com a sociedade, inscrito na Constituição e cumprido através da universidade. Neste sentido, a universidade pública é uma instituição que responde a valores constitucionais e não a políticas contingentes. Daí se origina o conceito de autonomia, que garante o exercício desses direitos. Por fim, seu conceito de conhecimento: como um bem social e não um bem privado.

Por isso, os reitores manifestaram a opinião de que a universidade pública deve responder a todos os desafios da globalização, desenvolvendo além da instrução profissional uma formação que ajude os estudantes a aprender a pensar criticamente e a familiarizar-se com sua própria tradição intelectual.

O professor Carlos Antunes, que foi indicado pelo ministro da Educação, Cristovam Buarque, para assumir a Secretaria do Ensino Superior do MEC (Sesu), avalia que é preciso repensar a universidade. Sua estrutura está superada. A sociedade mudou e a universidade não. A universidade é um espaço complexo de produção de conhecimento e que irradia esse conhecimento. Mas o conhecimento também mudou. Hoje, ele é construído na fronteira entre as ciências, de forma interdisciplinar, e a universidade tem que compreender isso para que ela possa atingir seus objetivos.

De acordo com o Censo 2000, do Sistema de Avaliação do Ensino Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em 30/04/2000, existiam 10.585 cursos de graduação presenciais no país, oferecidos por 1.180 Instituições de Ensino Superior (IES), nos quais achavam-se matriculados 2.694.245 alunos. Dessas IES, 176 são públicas (61 federais, 61 estaduais e 54 municipais) e 1004 privadas (85% do total).

Além do estado caótico em que se encontram as universidades públicas, a ampla diferença de alunos matriculados nas universidades particulares pode ser explicada também, pelo fato destas procurarem atender à demanda de profissões que estão sendo mais requisitadas na atualidade, conseqüentemente, estão sempre abrindo novas vagas para cursos potencialmente importantes, ampliando assim sua área de atuação. Ou seja, os dados confirmam a principal vocação das universidades privadas: formar profissionais para o mercado de trabalho, enquanto nas universidades públicas o ensino está voltado mais para a formação de docentes e pesquisadores.

A proliferação de cursos MBA (Master in Business Administration), é bem o espelho das necessidades atuais das empresas para ter profissionais capacitados para enfrentar os desafios da sociedade contemporânea. O Brasil é visto hoje como um grande potencial para a educação executiva, conforme projeções de universidades norte-americanas, que constatam uma grande procura por seus cursos de MBA internacional por parte de executivos brasileiros que atuam em empresas multinacionais.

Esse é o caso da Universidade de Pittsburgh e da Thunderbird. A primeira chegou ao país há três anos trazendo o Katz Graduate School of Business, um curso que incorpora aspectos do impacto global e da dimensão humana em seu currículo. Considerada a quinta mais antiga escola de administração dos Estados Unidos, ela forma em junho de 2003, sua terceira turma no Brasil.

Outro investimento que algumas empresas têm feito, para manter seus funcionários em constante formação, são as chamadas Universidades Cooperativas. Nos Estados Unidos, já são mais de 2000. No Brasil, somam 20. Apesar do nome universidade, elas não têm reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) como instituições de ensino superior. Funcionam como cursos de aprimoramento, voltados para as necessidades e o dia-a-dia das empresas.

Essa opção tem merecido tanta atenção que já ganhou novos desdobramentos. Em um acordo firmado na última Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, o ministro das Relações Exteriores da Noruega informou sobre a doação de dois milhões de dólares destinados à criação de uma nova sede da Universidade das Nações Unidas (UNU), que abrigará a Universidade Mundial Virtual (UMV). A UMV será implementada conjuntamente entre a UNEP/GRID-Arendal, a Agder University College e a ONU, que pretendem estabelecer uma rede internacional de Universidades Corporativas.

A intenção da UMV é ministrar educação para o futuro comum, proporcionando conhecimentos científicos para apoiar a gestão adequada do meio ambiente e para ajudar a desenhar as vias nacionais e regionais que levem ao desenvolvimento sustentável. Os estudos aumentarão a sensibilidade e a participação das pessoas na busca de soluções para os problemas ambientais e de desenvolvimento. Os programas dos cursos virtuais serão elaborados por uma rede global de instituições acadêmicas colaboradoras e os estudos serão descentralizados, com enfoque nos países em desenvolvimento. Serão utilizadas informação e tecnologias de comunicação de ponta, a fim de dar acesso e facilitar uma aprendizagem de qualidade em todas as regiões, com custos acessíveis.

Seguindo esta linha de reorientar a educação para promover a capacitação em temas relacionados com o desenvolvimento humano, em reunião acontecida em 20 de janeiro, o Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), recebeu a ministra da Assistência e Promoção Social, Benedita da Silva, que apresentou uma proposta de operacionalizar o Programa Universidade Cidadã, constituindo um grupo de trabalho integrado por representantes de cada segmento das universidades, um representante do Fórum de Extensão, e de um representante do Ministério, que assumirá a coordenação do GT.

O Presidente do CRUB, reitor Paulo Alcântara Gomes, aceitou o convite e comprometeu-se a ter uma proposta amadurecida em documento para lançar, formalmente, o programa Universidade Cidadã, na primeira semana de abril, por ocasião da próxima reunião plenária do Conselho, a ser realizada em Florianópolis.

Fonte

PORTO, Mayla. Dilemas da universidade pública na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, n. 39, ComCiência, fev. 2003. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/uni02.shtml. Acesso em: 24 Out. 2011.

UNIVERSIDADES: URGÊNCIAS

Carlos Vogt 

No simpósio sobre A universidade e os desafios da inovação, de que participei como expositor, na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília, em setembro de 2001, além de aspectos estruturais atinentes ao tema, duas questões foram fortemente enfatizadas por mim, por outros participantes da mesa e nas intervenções do público.

O texto que apresentei – Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios e contraponto – e que pode ser encontrado na revista ComCiência, nº 25, de setembro de 2001 ou no Observatório da Imprensa, nº 138, de 12/09/01, ou ainda no JCmail, nº 1874, de 14/09/01, frisa essas duas questões e as coloca como fundamentais para o bom desempenho de nosso sistema de ciência, tecnologia e inovação.

A primeira dessas questões diz respeito à urgente necessidade de se ampliar o mercado de trabalho, tanto acadêmico, quanto empresarial, no Brasil, para que possam ser absorvidos os mestres e doutores que, a cada ano, se formam em número cada vez maior pelas nossas universidades ou por programas no exterior. No ano de 2000 foram 5.700 doutores e 17.000 mestres. Em 2001, 6.000 doutores e 20.000 mestres. Dos 5.700 doutores formados em 2000, menos da metade tem vínculo de trabalho. Esses números tendem a aumentar, tanto pelo lado dos que se formam quanto pelos que, titulados, não encontram trabalho formal em universidades ou em centros de pesquisa acadêmicos ou empresariais.

A apreensão entre os que estudam fora do país é também crescente, pois não vêem, com a perspectiva da volta, possibilidade de encontro de trabalho nas áreas de sua formação e de sua competência. O assunto é, pois, urgente e é com urgência que é preciso motivar o nosso mercado empresarial para o problema: sem pesquisadores nas empresas não há inovação tecnológica, nem inovação de produtos e, em conseqüência, não há competitividade e o país fica a ver navios, não os que exportam o que produzimos, mas os que chegam para trazer o que importamos. Enquanto, é claro, pudermos pagar.

A segunda questão, que se liga à questão anterior, pelo menos no que diz respeito à expansão do mercado acadêmico, é a da qualidade do ensino oferecido pelo sistema privado de universidades no Brasil. Como se sabe, além do baixo índice populacional na faixa de 18 a 24 anos com matrícula em cursos superiores (cerca de 11% apenas), 65% do total dessas matrículas estão em instituições privadas. Quando considerado apenas o estado de São Paulo este número sobe para algo em torno de 84%.

Quando se considera o número de doutores e, por exemplo, o número de projetos na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), tem-se, contudo, um quadro em que se sobressai, de modo espetacular, o sistema público de ensino superior, conforme se pode verificar pelos dados abaixo:

 

Instituições superiores de ensino e de pesquisa no estado de São Paulo
Número de doutores e de projetos Fapesp

Número de Doutores

%

Números de projetos FAPESP

%

Instituições públicas de ensino e pesquisa

4.596

66.9

6.404

85.3

Instituições públicas de pesquisa

1.141

16.6

678

9.0

Total públicas

5.737

83.5

7.082

94.4

Instituições particulares de ensino e pesquisa

1.136

16.5

424

5.6

Total pública + particulares

6.873

100

7.506

100

 

Algo disso tem, sem dúvida, a ver com a estrutura jurídico-institucional do sistema privado de ensino superior, profundamente comprometido, de um modo geral, com os aspectos comerciais da educação como negócio e, conseqüentemente, com os fins lucrativos do empreendimento. É preciso dar, definitivamente, um sentido público ao sistema de ensino superior, como um todo, que é, por definição, um bem público.

Transformar a estrutura jurídico-institucional do ensino superior privado no país e dar-lhe um caráter eminentemente fundacional, sem fins lucrativos, é, pois, desafio premente e tarefa inadiável. E é claro, para que não haja solução de continuidade, por resistências e lobbies corporativos e por vazios de financiamento, pode-se legislar para frente, o que já seria uma mudança de qualidade enorme no quadro institucional de nossas universidades e uma condição de qualidade sem precedentes aos requisitos de funcionamento de nossas escolas superiores.

E para que não se invoquem argumentos privatistas baseados na experiência de outros países, é bom que se diga, desde logo, que na Inglaterra 99% dos alunos estão em universidades públicas, na França, 92,2% e nos Estados Unidos, avocado sempre como campeão do privativismo, 78%, como se pode ver pelo quadro abaixo…

Tipos de cursos

Cursos de 4 anos

Cursos de 2 anos

Totais por tipos de instituição

%

Instituições públicas

5.814.545

5.277.255

11.091.800

78,0%

Instituições privadas sem fins lucrativos

2.853.890

74.920

2.928.810

20,6%

Instituições privadas com fins lucrativos

100.817

105.388

206.205

1,4%

Totais por tipos de cursos

8.769.252

5.457.563

14.226.815

100,0%

 

No âmbito das condições estruturais de funcionamento das universidades públicas federais, é sempre oportuno lembrar a necessidade, até agora reconhecida, mas de solução sempre postergada, de constituir-se a sua autonomia de gestão financeira, experiência que por mais de uma década vem sendo levada a efeito pelas universidades estaduais paulistas com resultados que, podendo ser continuamente melhorados nos ajustes finos, têm-se mostrado, contudo, conceitual, metodológica e operacionalmente eficientes, eficazes e de alta relevância para a qualidade do ensino da pesquisa e dos serviços prestados pela USP, pela Unicamp e pela Unesp.

Ligado a essa falta de autonomia de gestão financeira, apresenta-se o problema crônico da total falta de uma política de recursos humanos para as universidades federais que se reflete de forma poderosamente negativa na política salarial dessas instituições que, padecendo ainda de um outro mal endêmico – o da carência de políticas regulares e sistemáticas de fomento -, correm o sério risco de não só terem comprometidas suas atividades fim, como o de, por isso, comprometerem, sem volta, qualquer iniciativa de planejamento programático do setor de ciência, tecnologia e inovação.

A imprensa, de um modo geral, tem dedicado atenção particular ao momento delicado por que passa o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) no Brasil. E mais delicado ainda, quando se considera que, sem dúvida alguma, se trata do melhor e mais bem montado sistema da América Latina, o que colabora para pôr em evidência os problemas por que estamos passando.

Sobre um fundo de arquitetura inteligente e, teoricamente, bem estruturado, sobressai o problema crônico da irregularidade dos repasses de recursos para as instituições públicas de pesquisa e para os grandes programas inovadores, produtos desse desenho. É o caso dos Núcleos do Programa Nacional de Excelência (Pronex), do CNPq, que entre outras adversidades econômicas já enfrentadas, só deverão receber os recursos de 2002 em 2003, quando o atual governo já terá dado lugar ao novo governo eleito.

As universidades federais espalhadas pelos estados brasileiros vivem momentos críticos em virtude do atraso de repasses, a ponto de uma grande instituição como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) chegar ao estado de inadimplência e ter a energia elétrica cortada por falta de pagamento. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada em 1º de novembro, outras universidades estão vivendo situação semelhante, sob ameaça de fecharem o ano sem poder pagar fornecedores, sempre pela mesma razão, a irregularidade e o atraso no repasse de recursos.

O mesmo fenômeno tem ocorrido com o CNPq e, há pouco tempo, foi necessária a intervenção direta do presidente da República para que o órgão pudesse retomar o fluxo contínuo no dispêndio de recursos já concedidos e contratados.

Os fundos setoriais, que são parte importante desse desenho original e criativo do sistema de C, T&I brasileiro, não conseguiram executar, no geral, mais do que 20% dos recursos que se anunciavam quando de sua criação.

O fato é que a irregularidade econômico-financeira constante acaba por gerar a assistematicidade técnica do sistema, de modo que o que era ótimo virtualmente acaba por ser menos que sofrível na realidade.

O outro efeito perverso, decorrente do mesmo fenômeno, é a total falta de possibilidade de qualquer planejamento, efeito esse que perpassa, como uma corrente de alta voltagem, negativa, toda a espinha dorsal do sistema, desde a sua arquitetura organizatória, no centro, até a execução, pelos usuários dos programas financeiros, nas pontas.

Embora não seja condição suficiente para solucionar esses problemas, a autonomia de gestão financeira dessas instituições é, contudo, condição necessária para deles tratar de forma adequada e eficaz.

A experiência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), criada, no Estado, em 1962, e das universidades estaduais paulistas, desde 1989, mostram o acerto e a justeza das decisões que instituíram a sua plena e total autonomia de gestão financeira.

No caso da Fapesp, que recebe, por lei constitucional, 1% da receita tributária do Estado ao longo de seus 40 anos de existência, a possibilidade de seu bom funcionamento está diretamente ligada à sua autonomia e, conseqüentemente, à sua capacidade de planejamento e de provisionamento dos projetos concedidos e das despesas contratadas.

A importância dessa autonomia, e da capacidade de planejamento decorrente, cresce ainda mais nos momentos críticos, como esse da crise cambial que afeta o coração da pesquisa brasileira, já que a grande maioria dos equipamentos e dos insumos necessários ao seu desenvolvimento é importada e, assim, contratada e paga em dólar.

Com autonomia e planejamento a Fapesp tem conseguido, juntamente com a comunidade científica paulista, responsável por mais de 50% da produção brasileira no setor, singrar o mar revolto das adversidades cambiais e navegar, com expectativa confiante para mares mais propícios de estabilidade nos cenários econômicos nacionais e internacionais.

Nesse sentido, no momento de mudanças políticas por que passa o País, não é demais lembrar que, embora não seja panacéia, adotar a autonomia de gestão financeira das instituições federais de fomento à pesquisa e também das universidades públicas federais, seria uma boa iniciativa do novo governo e uma boa forma de iniciar, na prática, um bom diálogo com a comunidade científica nacional que há muitos anos luta, reclama e propugna por ela.

Fonte

VOGT, Carlos. Universidades: urgências. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/uni01.shtml&gt; Acesso em: 24 Out. 2011.

UNIVERSIDADE NA ENCRUZILHADA

Lauro Morhy 

Desde meados do século XX, o mundo questiona e discute a universidade como, talvez, nunca o tenha feito antes. São vários os aspectos questionados e discutidos. Mas, nos últimos anos, certos enfoques se tornaram cada vez mais severos, chegando-se mesmo a questionar até a própria pertinência das universidades no mundo atual.

Os questionamentos ganham ainda mais força quando se fala em custos e gastos públicos, já que as finanças públicas se tornaram cada vez mais limitadas, complexas e problemáticas. Mas, afinal, geralmente aplicar dinheiro em educação ainda desperta mais sentimento de gasto do que de investimento. E, se há dúvidas quanto aos resultados, as coisas ficam ainda mais difíceis. O quadro não é muito diferente quanto às instituições privadas e seus usuários e mantenedores.

Examinando, porém, os registros históricos, podemos constatar que sempre foi assim: as sociedades sempre estiveram conflitando com as universidades, e estas sempre estiveram se autocriticando e buscando reformar-se. No que diz respeito à sua reputação pública, elas têm sido, quase permanentemente, instituições insatisfatórias, lembra Minogue (5), apesar de serem sempre reconhecidas como importantes e necessárias. Para muitos, elas trazem consigo o mistério da sabedoria, o romance do segredo e a aventura do desconhecido nos caminhos do futuro. Relativamente discretas na Idade Média, as críticas dirigidas contra a universidade multiplicaram-se durante o Renascimento. Dos humanistas aos filósofos, a universidade era constantemente questionada, registram Charle e Verger (1).

Ao longo dos séculos, a universidade passou por inúmeras reformas: procurava-se torná-la mais eficiente ou mais útil. Na prática, o que se quis foi assegurar o controle do Estado, em detrimento da autonomia – considerada vulnerável aos corporativismos e aos controles religiosos e partidários. Nas mudanças a busca do conhecimento como fim em si foi sendo preterida em favor da busca de uma sabedoria também utilitária. Em vez do foco apenas no estudante como indivíduo, passou–se a considerar mais a sociedade como um todo, ou os interesses sociais maiores. Ademais, o conhecimento cresceu tanto que extinguiu para sempre o sábio generalista ou enciclopédico. A erudição assume hoje novas características.

A dinâmica dos acontecimentos foi tal que, a rigor, as reformas das universidades nunca foram capazes de atender às exigências dos momentos históricos em que aconteceram. Em meados do século XIX, por exemplo, quando Newman propôs o seu modelo de universidade, a revolução democrática, a industrial e a científica já estavam acontecendo no mundo ocidental. Como disse Clark (2), a ciência estava começando a tomar o lugar da filosofia moral e, a pesquisa, o lugar do ensino. Mais tarde, quando Flexner escrevia sobre a Universidade Moderna, essa já estava deixando de existir.

A verdade é que a universidade sonhada nunca de fato aconteceu, até porque é quase uma idealidade, uma utopia pura, inatingível – mas sempre desejada. Talvez esteja aí a sua força, a sua resistência milenar. As que mais avançaram ou se destacaram apenas chegaram às fronteiras mais próximas dos sonhos. Sonhos que mudam com o tempo, com a dinâmica evolutiva da humanidade. Os novos paradigmas – que as universidades tanto ajudaram a construir – determinaram profundas transformações no mundo em todos os tempos. Mudanças essas que muito as afetaram, imprimindo-lhes também peculiaridades nacionais e regionais. Em nosso País, como na América Latina, vemo-las hoje incluídas nos chamados sistemas de educação superior (3, 6), versão moderna dos sistemas de ensino superior, longe do sonho inicial, mas talvez mais próximas dos mortais comuns, com todas as suas qualidades, pecados e imperfeições.

O ensino superior – com as características que passou a apresentar a partir do século XVIII  – atingiu em cheio os sistemas universitários tradicionais. A crescente demanda por vagas nos cursos universitários praticamente afogou as universidades e os valores a elas ligados. Estatísticas recentes mostraram fantástica aceleração na expansão de matrículas no ensino de graduação no Brasil, chegando-se a 2.694.245 alunos no ano 2000. Em 1968, apenas 278.295 estudantes estavam matriculados (4).

Contradições entre o mundo universitário tradicional e as aspirações dos estudantes e seus familiares, quanto a possibilidades finais de inserção profissional no mundo real – além de outros motivos sociais estratégicos – foram exigindo transformações irreversíveis das universidades, descaracterizando-as e impedindo que universidades novas alcançassem as características institucionais necessárias ao status reconhecido de universidade. Além disso, à medida  que os avanços científicos e tecnológicos foram chegando mais e mais aos níveis da competição econômica, transformando-se em objetivos centrais das nações, os seus centros geradores – muitos dos quais baseados nas universidades – foram sendo cobiçados, descentralizados, diversificados e autonomizados. Perdendo – ou não mais concentrando – as correntes intelectuais geradoras de novos conhecimentos e realmente inovadoras, as universidades mais autênticas vão se enfraquecendo, tornando-se meras componentes do sistema de educação superior. Um sistema já a caminho da Educação a Distância, para que os grandes contingentes de jovens possam ser atendidos. É a encruzilhada. Talvez de um caminho inevitável e sem volta. É preciso assumir que a universidade tradicional já não é mais possível. Estamos a caminho de uma nova aventura que não parece desprezível. Está nascendo uma nova universidade. Talvez seja preciso uma nova Alma Mater. Ou mais de uma. […]

Fonte

MORHY, Lauro. Universidade na encruzilhada. Universidade de Brasília, 12 mar. 2003.

Disponível em: <http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=19&texto=1197&gt;. Acesso em 19 ago. 2009.

DO IMPÉRIO À ATUALIDADE: MARCAS DE CONTINUIDADE NA HISTÓRIA DAS UNIVERSIDADES

Susana Dias

A transferência da família real para o Brasil transformou o país em sede da coroa portuguesa. Essa mudança impulsionou a implementação de medidas administrativas, econômicas e culturais para estabelecimento da infra-estrutura necessária ao funcionamento do império. A criação dos primeiros estabelecimentos de ensino superior buscava formar quadros profissionais para os serviços públicos voltados à administração do país. As áreas privilegiadas eram: medicina, engenharia e direito. Em 1808, foram criados os primeiros estabelecimentos de ensino médico-cirúrgico de Salvador e do Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro foi cenário de outras iniciativas culturais e científicas, como a criação da Imprensa Régia, da Biblioteca Nacional e dos primeiros periódicos científicos.

Na história da ciência e tecnologia, são as continuidades que chamam a atenção da professora Silvia Figueirôa, especialista em História das Ciências, do Instituto de Geociências da Unicamp. Não teríamos chegado ao desenvolvimento científico e tecnológico que temos hoje se não tivesse sido construída uma tradição em pesquisa desde, pelo menos, o século XVIII, afirma a professora. Atravessando o tempo, estão presentes na cultura das universidades atuais, formas de pensar e atuar que marcaram o tempo do império. A forma de buscar o novo nas universidades, por exemplo, ainda é feita muitas vezes à moda de Dom Pedro II. Este, vendo a necessidade de modernizar a ciência e tecnologia brasileira, viajava, se empolgava com o que via na Europa, e trazia modelos e profissionais para reformar as instituições brasileiras. Ainda hoje, buscam-se pesquisadores de outros países, trazendo-os para implantar laboratórios e linhas de pesquisa no Brasil, diz a pesquisadora.

Figueirôa comenta que há um certo desprezo na literatura pelo período anterior à constituição das universidades. As análises também costumam desconsiderar a produção científica dessa época, bem como quando o sistema educacional brasileiro compreendia Instituições de Ensino Superior e Grandes Escolas, como as de Engenharia, e mesmo os colégios e seminários jesuítas, comenta; e desabafa: A idéia de que apenas na universidade se faz ciência também permanece forte até hoje. O livro Espaços da ciência no Brasil: 1800 – 1930, editado pela Fiocruz em 2001, traz importantes contribuições nesse sentido, analisando a atuação e papel desempenhado por instituições como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Instituto Bacteriológico em São Paulo, o Instituto Butantã e também da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e da Comissão Geológica do Brasil.

A criação de universidades foi amplamente discutida por grupos sociais diversos no país, porém, apenas no século XX surge a primeira universidade brasileira. Apesar das controvérsias históricas, parece ser consensual entre os historiadores que a primeira universidade criada pelo governo federal brasileiro foi a do Rio de Janeiro em 1920, que aglutinou as Escolas Politécnica, de Medicina e de Direito já existentes. Para José Luís Sanfelice, professor do Departamento de História e Filosofia da Educação, da Faculdade de Educação da Unicamp, é provável que esta iniciativa oficial tenha tido o propósito, dentre outros, de ditar um modelo universitário, uma vez que as ações privadas e nos estados tendiam a se proliferar sem controle. Afinal de contas, um ensino elitizado, e para as elites, não podia estabelecer-se à revelia do poder central.

Reunir escolas e/ou faculdades já fundadas, tornou-se uma marca do desenvolvimento do sistema de ensino universitário brasileiro. Baseadas na universidade do Rio de Janeiro foram criadas as universidades federais nos estados. A presença de oligarquias na criação das universidades, e os diversos acordos realizados entre o poder federativo e os estados são apontadas como intimamente relacionados aos diversos caminhos trilhados pelas universidades brasileiras desde a sua criação. Para grande parte dos historiadores, a instauração de muitas universidades significou o desvio de recursos financeiros para os estados, local de prestígio político e de emprego para os filhos das elites.

Católicos, liberais e positivistas: projetos contraditórios para as universidades

Para compreender as diferentes posições assumidas na história pelas instituições de ensino superior brasileiras parece ser importante conhecer as principais forças políticas atuantes, seus interesses e projetos. Roberto Romano da Silva, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, destaca três grupos atuantes no século XIX: a alta hierarquia do clero católico, as lideranças civis liberais e os pensadores positivistas. Estes grupos apresentavam, na opinião do pesquisador, idéias conflitantes sobre o papel da universidade na vida política e social brasileira.

Para a igreja católica, a criação de uma universidade com hegemonia religiosa ajudaria a aumentar os quadros intelectuais a serviço do projeto religioso. A universidade nos moldes católicos privilegiaria disciplinas como: Filosofia, a Tomista, que era adotada oficialmente pela Igreja Católica e que se caracterizava pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo; Teologia; Direito, com base na doutrina social da igreja; Letras; Artes; e, quem sabe no futuro, alguns poucos setores tecnológicos. Já os liberais definiam um programa totalmente diverso dos católicos, privilegiando os setores jurídicos de estudo, as áreas humanísticas e a medicina. O projeto seria desvinculado de compromissos religiosos e buscaria assegurar as formas de autoridade, e de pensamentos, gerados pela Revolução Francesa e Revolução Industrial.

Os positivistas defendiam idéias contrárias às duas posições anteriores, argumentando que o Brasil não precisava de universidades, mas de ensino fundamental para as massas, sobretudo no campo tecnológico. Nessa perspectiva, seria um absurdo a preocupação com o ensino universitário quando tudo ainda estava por fazer, entre nós, em matéria de ensino primário e secundário, comenta Romano, citando Pereira Barreto, um grande nome da ala positivista de 1880. Para os positivistas, o controle das universidades pela igreja prejudicaria o advento da idade científica e técnica no Brasil e, se fossem dominadas pelos liberais, transformariam o país em uma anarquia social e política, com os devaneios metafísicos que imperaram na Revolução Francesa. Defendiam, por sua vez, a criação de escolas técnicas e científicas que ensinassem as leis da natureza, e os meios de aproveitá-las em favor da humanidade.

Para Romano, o debate sobre a universidade e sua inserção na vida social ainda mantém, atualmente, as grandes linhas dessas doutrinas: o problema da passagem da ciência à técnica, e a educação das massas populares (ensino fundamental versus ensino universitário), permanecendo o desafio de compatibilizar as garantias individuais e as necessidades coletivas, na sociedade e no Estado.

Ditadura imprime suas marcas via Reforma Universitária

A reforma universitária, gestada pelo governo militar em 1968, é considerada um grande marco na história das universidades brasileiras. Sanfelice comenta que o objetivo da reforma era modernizar a universidade para um projeto econômico em desenvolvimento, dentro das condições de ‘segurança’ que a ditadura pretendia para si e para os interesses do capital que o representava. A Lei 5540/68 introduziu a relação custo-benefício e o capital humano na educação, direcionando a universidade para o mercado de trabalho, ampliando o acesso da classe média ao ensino superior e cerceando a autonomia universitária.

Diversas medidas foram tomadas para alcançar tais metas, entre elas: a unificação do vestibular por região; o ingresso por classificação; o estabelecimento de limite no número de vagas por curso; a criação do curso básico que reunia disciplinas afins em um mesmo departamento; o oferecimento de cursos em um mesmo espaço, com menor gasto de material e sem aumentar o número de professores; a fragmentação e dispersão da graduação; o estabelecimento de matrícula por disciplina. Em 1971, foi promulgada a Lei 5692 que instituiu também a reforma do ensino fundamental, com mudanças que determinaram, por exemplo, a extinção das disciplinas de Geografia e História que foram substituídas pelo ensino de Estudos Sociais. Entre os resultados obtidos com as políticas implementadas os pesquisadores apontam: a diminuição na qualidade do ensino fundamental público, com a respectiva valorização do ensino particular, e a conseqüente elitização do ensino universitário, que impede até hoje o acesso de grande parte da população à universidade pública.

Mas algumas medidas tomadas, com o decorrer dos anos, resultaram em verdadeiras inversões nos objetivos iniciais das reformas do ensino superior no país determinadas pelo regime militar. A professora Albertina Lima Vasconcelos, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), conta que para satisfazer as novas determinações da Lei 5692 foram criadas várias faculdades no interior da Bahia, que deveriam formar os profissionais de licenciatura curta para atender à nova demanda em Estudos Sociais, Ciências e Letras. A professora analisa que, na Bahia, as faculdades criadas no interior foram equívocos que acabaram dando certo. Após dez anos de extensas negociações e luta dos docentes, as faculdades foram transformadas em universidades estaduais e foram criadas as licenciaturas plenas em História e Geografia. Criadas para satisfazer o mecanismo de formação de profissionais da ditadura e promover a extensão do poder governamental pelo interior da Bahia, as faculdades impediram a migração de jovens para outras capitais e a expansão do ensino particular no interior da Bahia, promovendo o fortalecimento do ensino superior de caráter público no estado.

Analisar a história pela perspectiva das rotas de fuga dos mecanismos ditatoriais parece ser importante, mas não apaga da história as marcas da perseguição, cassação e expulsão de pesquisadores, docentes e alunos em todo o Brasil, que não aceitaram a ditadura e a ideologia da segurança nacional. Romano ressalta que a universidade cumpriu muitos papéis durante o regime castrador. Alguns de seus membros foram heróicos na tarefa de manter a qualidade superior da pesquisa e do ensino. Outros se entregaram à colaboração sem freios éticos com os donos do mando político da hora. O movimento estudantil, na época, foi um dos esteios da luta em prol da democracia e do respeito aos direitos humanos. A conivência de docentes das universidades com os militares foi registrada na Revista Adusp, da Universidade de São Paulo (USP). Uma ampla cobertura traz à tona a colaboração da reitoria da USP com os órgãos repressivos que, inclusive, antecedem o período do golpe militar. Ao mesmo tempo a USP também teve uma intensa movimentação política de combate às condições da época, realizando passeatas, assembléias, manifestos e reivindicações que ficaram na história.

A Universidade de Brasília (UnB) também traz em sua história profundas marcas da política de desenvolvimento que imperou durante a ditadura. Em contraposição aos modelos até então existentes de universidade, na década de 60 a UnB surge com uma proposta, idealizada por Darcy Ribeiro e Frei Mateus Rocha, que buscava criar a universidade necessária para uma nação independente: mais democrática e com maior autonomia. A universidade necessária ficou no projeto, visto que a universidade construída durante o regime militar foi bastante diferente. Duramente atacada, a UnB tornou-se por meio do movimento estudantil e docente um importante foco de resistência à ditadura na própria capital da República. O site oficial da UnB apresenta um interessante artigo de Geralda Dias, professora de História das Universidades na instituição, que aborda as mudanças no projeto da UnB e relata diversos episódios da dura intervenção do governo na universidade.

Se por um lado as universidades foram consideradas focos de subversão, e a função da reforma era erradicar qualquer possibilidade de contestação, por outro lado também ocorreu uma expansão das universidades, e a reforma deveria atender aos projetos estratégicos dos militares que, sob influência da Guerra Fria, pretendiam transformar o Brasil em potência. As universidades que tinham fortes vínculos com o governo passaram por uma modernização com ênfase na pesquisa tecnológica e na ligação com o setor produtivo. A relação entre laboratórios de pesquisa, desenvolvimento e a segurança nacional é ressaltada, e a universidade torna-se responsável pelo aumento do capital humano. Para Sanfelice essa diretriz parece ter orientado a criação da Unicamp. Com o apoio do poder constituído, foi implantada em função de necessidades concretas de mercado, que naquela conjuntura exigia engenheiros, químicos, físicos, biólogos, matemáticos e economistas, contando também com recursos públicos do estado e posição geo-econômica estratégica. A estas, entre outras razões, os pesquisadores atribuem o fato da Unicamp constituir-se nos dias de hoje uma referência nacional e internacional, tendo em vista sua capacidade de produção científica, produção de conhecimentos e de inovação tecnológica.

Em todo o país, estudantes e professores buscam reorganizar suas entidades representativas e denunciam a transformação da universidade numa instituição muito mais estatal do que pública. Uma das grandes bandeiras de luta que surge nessa época é a autonomia universitária. O tempo passou… Constituição de 1988, nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), e a comunidade universitária no Brasil ainda discute questões que remetem ao tempo da ditadura, e sua bandeira de luta também ainda parece hasteada no mastro das agendas universitárias.

Fonte:

DIAS, Susana. Do império à atualidade: marcas de continuidade na história das universidades. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/universidades/uni03.shtml. Acesso em: 4 ago. 2004.

DESENVOLVIMENTO DO CURRÍCULO ESCOLAR: Modelo Tyler versus Enfoque Globalizadores.

             O intuito deste texto é mostrar algumas vantagens do modelo Tyler (tradicional) e do modelo dos Enfoques Globalizadores (pós-crítico, isto é, uma nova interpretação dos mecanismos que geram o conhecimento) no desenvolvimento do currículo escolar, bem como, apresentar argumentos em defesa de um dos modelos, sem a pretensão de esgotar o tema em questão.

            Currículo para Ranghetti e Gesser (2009) é um termo da área educacional que apresenta diversas definições, podendo ser controversas e polissêmicas. Vejamos algumas definições de currículo: “- rol de disciplinas ou grade curricular a ser seguida; – determinação de objetivos, conteúdos e seqüência de atividades a ser implementada pela escola; – conjunto de conhecimento ou matérias a serem superadas pelo aluno;” (RANGHETTI; GESSER, 2009, p. 12). Além destas, existem muitas outras definições que não vamos citá-las no momento, pois segundo as autoras não existe um consenso referente ao termo currículo, devido ao fato dele ser “fruto do seu tempo histórico, econômico, político e social, revelando aspectos vinculados a relações de poder, o que configura o contexto educacional como um espaço fundamentalmente político, uma arena altamente contestada” (Ibidem, p. 18).

            Neste contexto, desde o surgimento do termo currículo até os dias atuais, o seu desenvolvimento sofreu várias modificações. Mas, foi em 1949 com Ralph Tyler que tivemos “início à teorização sobre o currículo escolar, constituindo-se no modelo considerado o clássico das teorias tradicionais de currículo, influenciando o mundo até atualidade” (Ibidem, p. 23). Este modelo curricular com base em teorias tradicionais para (RANGHETTI; GESSER, 2009, p. 32) é

 […] assim caracterizado: organizado por objetivos; delineado por especialistas; implementado pelos professores; focado na transmissão e memorização de conteúdos; o aluno é passivo e reprodutor; centrado na aprendizagem mecânica e repetitiva; com foco na avaliação que visa o alcance dos objetivos por meio de instrumentos de medida ou observação.

 Desse modo, a primeira vantagem do modelo Tyler, segundo Pedra (1997, apud RANGETTI; GESSER, 2009, p. 79) é a “[…] a clareza e a linearidade da base racional, elaborada por Tyler, o que o torna um guia simples e seguro para a elaboração, o desenvolvimento e a avaliação do currículo”. A segunda vantagem que observamos é o fato de que a sua base racional

[…] começa por identificar quatro questões fundamentais que devem ser respondidas quando se desenvolve qualquer currículo e plano de ensino. Ei-las aqui: 1. Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2. Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? 3. Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? 4. Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?” (TYLER, 1983, p. 1).

             Essas questões são essenciais na elaboração e fundamentação do currículo, pois na acepção de Tyler (Ibidem, p. 5) “a educação é um processo que consiste em modificar os padrões de comportamento das pessoas” e “comportamento num sentido lato que inclui pensamento e sentimento, além da ação manifesta”.

            Neste sentido, por ser modificadora de comportamento,

 a educação é um processo ativo, que envolve os esforços ativos do próprio aluno. Em geral, este só aprende aquelas coisas que faz. Se as situações escolares versam sobre assuntos de interesse para o aluno ele participará ativamente dessas situações e aprenderá, assim a lidar eficientemente com essas situações (Ibidem, p. 10)

             Aqui vemos a terceira vantagem deste modelo, pois para Tyler esse processo mostra “que a eficiência cada vez maior com que ele [aluno] enfrenta situações presentes garante a sua capacidade de enfrentar novas situações à medida que estas surgem” (Ibidem).

            Portanto, devemos “salientar que o modelo curricular elaborado por Tyler foi o mais influente no campo curricular nas décadas que o sucederam e, até hoje, se constitui num marco na história do currículo escolar, em todo o mundo. Nem os americanos conseguem eleger outro” (MOREIRA, 1990, apud RANGHETTI; GESSER, 2009, p. 80).

            Já no modelo dos enfoques globalizadores de currículo o aluno se torna o foco central da educação, pois na perspectiva de Zabala,

 […] os métodos globalizados nascem quando o aluno se transforma no protagonista do ensino; quer dizer, quando se produz um deslocamento do fio condutor da educação das matérias ou disciplinas como articuladoras do ensino para o aluno e, portanto, para suas capacidades, interesses e motivações (ZABALA, 1998, p.144).

             Para melhor compreendermos como funcionam os diversos métodos globalizadores vamos explicitá-los:

 • Os Centros de interesse de Decroly, os quais, partindo de um núcleo temático motivador para o aluno e seguindo o processo de observação, associação e expressão, integram diferentes áreas do conhecimento. • O método de projetos de Kilpatrick, que basicamente consiste na elaboração e produção de algum objeto ou montagem (uma máquina, um audivisual […], etc.). • O estudo de meio do MCE (Movimento de Cooperazione Educativa de Italia), que busca que meninos e meninas construam o conhecimento através da seqüência do método científico (problema, hipótese, experimentação). • Os projetos de trabalho globais, em que, com o fim de conhecer um tema, tem que se elaborar um dossiê como resultado de uma pesquisa ou em equipe (Ibidem, p.146).

             Aqui observamos a primeira vantagem deste modelo, pois de acordo com Zabala, esses sistemas “partem de uma situação ‘real’: conhecer um tema, realizar um projeto, resolver certas interrogações ou elaborar um dossiê. A diferença fundamental entre eles está na intenção do trabalho a ser realizado e nas fases que devem ser seguidas” (Ibidem).

            Nos centros de interesse de Decroly na perspectiva do autor podemos observar uma segunda vantagem, visto que “aplica um método baseado na comprovação do fato de que as pessoas interessa sobretudo satisfazer as próprias necessidades naturais” (Ibidem), logo, “para cada centro de interesse se seguirão três etapas: observação pessoal e direta através das ciências; associação no espaço e no tempo e expressão através da língua, o desenho, o corpo…” (Ibidem, p.147).

          O método de projetos de Kilpatrick a “educação consiste em aperfeiçoar a vida em todos seus aspectos”, desse modo, “a finalidade da escola deve ser ensinar a pensar e a atuar de maneira inteligente e livre”, cujos “programas têm que ser abertos, críticos e não-dogmáticos, baseados na experiência social e na vida individual” (Ibidem, p. 148-149).

           A terceira vantagem dos métodos globalizadores é que dentro do método estudo do meio o Movimento de Cooperazione Educativa (MCE) da Itália

busca organizar e sistematizar o tateio experimental, assim como esclarecer os fundamentos psicopedagógicos da investigação da criança como processo natural de aprendizagem, e busca transformar a escola numa instituição em que o aluno ponha toda a sua bagagem cultural ao alcance dos demais para que se chegue, de modo conjunto, a conhecer o mundo cientificamente (Ibidem, p.150).

             Dentro deste contexto, mostraremos alguns argumentos em defesa dos métodos globalizadores, porque vivemos em um mundo permeado de grandes transformações, tanto no que tange a novas tecnologias devido ao grande avanço científico-tecnológico, como também em um mundo pós-moderno com novas formas de pensar e novas teorias, ou seja, num mundo em que temos de questionar, criticar, avaliar situações e nos comunicarmos de maneira eficiente para haja transformação e ampliação cada vez maior da melhoria das condições de vida dos seres humanos em todas as áreas. Com isso, não quero dizer que as teorias tradicionais sejam obsoletas e devam ser abandonadas em sua totalidade, mas quando tratamos do desenvolvimento do currículo escolar cujo objetivo é a formação de cidadãos, devemos sempre procurar torná-las mais eficazes e produtivas dentro do nosso contexto histórico.

           Portanto, um argumento de suma importância é que segundo Zabala (Ibidem, p. 147) no Decroly “a criança é ponto de partida do método” no sentido de “dar conta de que as diferenças individuais são muito grandes, tento em relação às aptidões com ao tempo de maturidade…”. Assim, “a criança não ó o queremos que seja, mas o que pode ser”. Outro argumento interessante é que “a alavanca eficaz de toda aprendizagem é o interesse. Mas não qualquer interesse, porém o profundo, nascido das necessidades primárias e que é manifestação dos instintos” (Ibidem p.148).

           Já no método de projetos de Kilpatrick, um argumento a ser destacado seria o vínculo das “atividades escolares à vida real, buscando que se pareçam ao máximo. Dá-se importância aos impulsos das ações, das intenções, propósitos ou finalidades da ação”, isso “torna o trabalho escolar algo autenticamente educativo, já que os próprios alunos o elaboram” (Ibidem p. 150).

            Por fim, finalizo argumentando que o método do Movimento de Cooperazione Educativa (MCE) da Itália procura desenvolver na criança um espírito científico que “é essencial no desenvolvimento do “hábito democrático”. Pois, vivemos “numa sociedade democrática” e para dar embasamento ao que já foi dito, esse “espírito científico formará cidadãos com capacidade de observar, avaliar, de escolher e de criticar, já que este espírito científico significa capacidade e aptidão para observar as coisas, mas sobretudo para interpretar suas relações” (Ibidem, p. 153).

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Currículos e programas no Brasil. Campinas/SP: Papirus, 1990.

PEDRA, José Alberto. Currículo, conhecimento e suas representações. Campinas/SP: Papirus, 1997.

RANGHETTI, Diva Spezia; GESSER, Verônica. Estruturas Curriculares – Inter e Transdisciplinaridade. Indaial/SC: Grupo UNIASSELVI, 2009.x, 121p.

TYLER, Ralph Winfred. Princípios Básicos de Currículo e Ensino. Trad. Leonel Vallandro, 7. ed. Porto Alegre – Rio de Janeiro: Globo, 1983.

ZABALA, Antoni. A Prática Educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. PortoAlegre: Artmed, 1998.

           Direitos Autorais: Ao usar este texto ou partes dele citar corretamente as fontes e o autor.

Autoria por ELIAS TERÊNCIO DA SILVA – Mestrando do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia da Universidade Ferderal de Uberlândia.

A INCLUSÃO ESCOLAR REQUER MUDANÇA E QUEBRA DE PARADIGMA URGENTE

          O intuito deste texto é mostrar como podemos promover a inclusão escolar, sendo que algumas escolas ainda estão demarcadas por séries, supervalorizando os conteúdos programáticos e as notas das provas, bem como resistindo às mudanças propostas pelo paradigma da inclusão? Infelizmente esta ainda é a grande realidade na maior parte das escolas do ensino regular no Brasil. Como podemos mudar esta realidade?

            Devemos começar definindo o que é inclusão? Inclusão na perspectiva de Mantoan (2003, apud Hort e Hort, 2009, p. 22) “é a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas diferentes de nós. A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem exceção”, independentemente de qual ou o grau da “deficiência física”, do “comprometimento mental, para os superdotados, para todas as minorias e para a criança” que sofre algum tipo de discriminação. Neste sentido, promover “a inclusão escolar é participar de um processo de mudança reorganizado a escola, onde estar incluído significa ter o direito de aprender junto, independente das condições físicas, lingüísticas, intelectuais, sociais e emocionais” (HORT; HORT, 2009, p. 45).  Portanto, podemos dizer que “a inclusão é um processo que requer muito mais do que transferir crianças da escola especial para a escola regular, mas também fazer parte dela” (Ibidem, 2009, p. 34). Nesta perspectiva, aqui no nosso país ainda estamos caminhando em passos bem lentos em direção desta realidade inclusiva.

          Conforme argumenta Sassaki (1997, apud Hort e Hort, 2009, p. 11, grifo no original) é necessário frisar que, antes de chegarmos à fase da inclusão, a “história da Educação Especial […] pode ser dividida em quatro fases: exclusão, segregação ou separação, integração e inclusão, mas somente nesta última fase é que “as pessoas com necessidade especiais estão inseridas na mesma escola e no mesmo grupo das pessoas ditas normais” (HORT; HORT, 2009, p. 15).

        Neste contexto, a inclusão escolar tem suas bases e seus fundamentos garantidos em leis e documentos como:

  a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) garante que todas as pessoas têm direito à educação [(GIL, 2005, p.17)];  a Conferência Mundial sobre Educação para Todos  de 1990 promoveu a ‘[…] universalização do acesso à educação’ (GIL, 2005, p.18); a Declaração de Salamanca de 1994 impulsionou o direito à educação para pessoas com necessidades educacionais  especiais na rede regular de ensino; a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoa Portadora de Deficiência , define o termo “discriminação” que significa ‘[…] toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência […] que tenha efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais’ (BRASIL, 2008) (Ibidem,  2009, p. 45).

          Também, no documento do Ministério Público intitulado o Acesso de Alunos com eficiência às Escolas e Classes Comuns na Rede Regular prevê que “todos os cursos de formação de professores, do Magistério às Licenciaturas, devem dar lhes a consciência e a preparação necessárias para que recebam, em suas salas de aula, alunos com ou sem necessidades educacionais especiais” (BRASIL, 2004, p. 20, apud Hort e Hort, 2009, p. 66) e a Portaria nº 1.793/94 reconhece “a necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e outros profissionais que interagem com portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 2008, apud Ibidem). Mas, isso ainda não é uma realidade das Universidades e Faculdades do nosso país, em que a maioria dos cursos de Licenciatura ainda não consta de seus currículos a disciplina Educação Especial e Inclusão Escolar, como por exemplo, na Universidade Federal de Uberlândia somente no curso de Licenciatura em Pedagogia tem essa disciplina disponível. Por isso, quando falamos em inclusão escolar parece para muitos professores um “bicho” de sete cabeças, por falta de consciência e preparação necessária para lidar com tal situação. E ao mencionamos o termo “inclusão escolar” o (a) professor (a) é o principal agente do processo.

           Assim, após definirmos e mostrarmos as bases fundamentais da inclusão escolar, o que torna uma escola verdadeiramente inclusiva não é simplesmente a construção de rampas de acesso, elevadores e banheiros adaptados, mas em primeiro lugar deve promover a

Reelaboração do [seu] Projeto Político-Pedagógico, baseando sua filosofia nos princípios democráticos e igualitários da inclusão; [Em segundo lugar, buscar o] Envolvimento do gestor educacional, que exerce um papel importante ao delimitar os objetivos da escola conforme as leis, tomar decisões, enfrentar os desafios, oferecer apoio aos profissionais e fazer com que a filosofia de inclusão da escola seja cumprida; [Em terceiro lugar, incentivar o] Desenvolvimento de redes de apoio a fim de debater sobre os problemas da escola, trocar idéias, métodos, técnicas e atividades que auxiliarão os professores e os alunos a serem bem-sucedidos em seus papéis; [Em quarto lugar, buscar a] Participação da comunidade escolar e, principalmente, dos pais dos alunos para auxiliar e orientar os professores sobre as condições físicas e emocionais de seus filhos; [E por fim, fazer uma] reflexão sobre a prática pedagógica, para que atenda às necessidades de todos os alunos (Ibidem, 2009, p. 68).

           Finalmente assim, diante desses grandes desafios e quebrando paradigmas até então existentes em nossa realidade escolar, junto com a efetiva participação dos pais dos alunos é que conseguiremos reestruturar todas as escolas da rede do ensino regular, colocando fim na demarcação por séries, na supervalorização dos conteúdos programáticos e nas notas de provas e na resistência da mudança proposta pela filosofia inclusiva, pois a uma boa reflexão sobre a prática pedagógica inclusiva busca:

elaborar objetivos que respeitem o tempo e as condições para que cada aluno possa aprender; incentivar o diálogo, a cooperação e a criatividade; estimular o pensamento crítico; oferecer formas diversificadas de ensino, dando preferência às aulas práticas; propiciar várias formas de avaliação; valorizar a autonomia dos alunos e as diferenças na sala de aula (Ibidem, 2009, p. 63).

         Devemos continuar levantando a bandeira da “inclusão escolar” e lutando para termos escolas bem preparadas e equipadas que inclua todos sem exceção, uma sociedade livre dos preconceitos culturais e um país com direitos igualitários para todos independentes das condições físicas, lingüísticas, intelectuais, sociais e emocionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva (Org.). Ministério Público Federal: 2. ed. Brasília: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004.

_______. Educação Especial, legislação. Disponível em: <www.mec.gov.br> Acesso em: 15 out. 2008.

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Princípios, Política e Prática em Educação Especial. 1994. Disponível em: <www.direitoshumanos.usp.br> Acesso em: 26 maio 2008.

GIL, Marta (Coord.). Educação Inclusiva: O que o professor tem a ver com isso? São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005.

HORT, Ana Paula Fischer; HORT, Ivan Carlos. Educação especial e inclusão escolar. Indaial/SC: Grupo UNIASSELVI, 2009, 70p.

MANTOAN, Maria Tereza Égler. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3. d. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

Direitos Autorais: Ao usar este texto ou partes dele citar corretamente as fontes e o autor.

Autoria por ELIAS TERÊNCIO DA SILVA – Mestrando do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Filosofia da Universidade Ferderal de Uberlândia.